Cadastro de produtos: a sua ampliação de relevância na era IBS/CBS
- Equipe de RP
- 21 de out.
- 6 min de leitura
A reforma tributária do consumo inaugura uma transformação profunda na forma como as empresas vão se relacionar com seus documentos fiscais.
A partir de 2026, o documento fiscal deixará de ser um mero registro fiscal e contábil para se tornar a própria apuração do tributo. Essa mudança reposiciona o cadastro de produtos como o centro nervoso da gestão fiscal: é nele que a empresa define, com precisão, o tratamento tributário de cada item que vende ou compra.
Mais do que nunca, um cadastro correto deixará de ser apenas uma boa prática — passará a ser uma condição de sobrevivência financeira e fiscal.
O fim da “correção posterior”
Durante anos, empresas puderam corrigir divergências tributárias nas apurações mensais ou em retificações posteriores. Com o advento do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), essa flexibilidade deixará de existir.
O novo sistema, baseado em alíquotas uniformes e declarações automatizadas, tornará o documento fiscal autodeclaratório e definitivo. Em outras palavras, o que for informado na nota fiscal — inclusive nos campos de classificação tributária — será o que o Fisco considerará como verdadeiro.
A consequência prática é direta: erros de parametrização no cadastro resultarão em tributos pagos a maior ou créditos fiscais tomados a menor, afetando imediatamente o fluxo de caixa da empresa. A partir da IBS/CSB, não haverá mais espaço para corrigir depois o que foi informado errado na emissão.
Por que o NCM e o NBS já não bastam
O ponto de partida de todo cadastro fiscal sempre foi o NCM, no caso de bens, ou o NBS, no caso de serviços. Essas classificações continuarão existindo, mas o novo modelo de tributação deixa evidente que elas não são suficientes para determinar a carga tributária correta.
O NCM foi criado para fins estatísticos e aduaneiros, agrupando produtos de forma ampla. Na prática, isso significa que dois produtos com o mesmo código podem ter composições e usos completamente diferentes, o que leva a tratamentos fiscais distintos.
Um molho de tomate industrializado e um extrato de tomate puro, por exemplo, compartilham o mesmo NCM, mas o primeiro não tem redução tributária e o segundo tem. O mesmo ocorre com fraldas infantis e absorventes femininos, que estão sob o mesmo código, mas são enquadrados em regimes de benefícios diferentes. Até mesmo o suco natural de laranja e o néctar adoçado estão no mesmo NCM, embora apenas o natural receba redução de base de cálculo.
Esses exemplos revelam o erro mais comum: confiar apenas no NCM para determinar a tributação. No modelo atual, essa falha pode ser ajustada depois; no modelo do IBS e da CBS, ela será imediatamente identificada nos cruzamentos eletrônicos de dados.
O GTIN como a nova chave da verdade fiscal
É nesse contexto que o GTIN ganha importância estratégica. O GTIN identifica cada produto de forma única, considerando marca, fabricante, tamanho, tipo de embalagem e composição. Ao vincular o GTIN ao cadastro de produtos, o ERP passa a ter a capacidade de aplicar as regras fiscais com granularidade muito mais precisa.
Atualmente, o GTIN (Global Trade Item Number) é identificado nos documentos fiscais eletrônicos por meio do campo <cEAN> e, quando aplicável, <cEANTrib>, presentes dentro do grupo de produtos da NF-e e da NFC-e. Esses campos informam, respectivamente, o código de barras comercial do item e o código de barras da unidade tributável, conforme o padrão internacional da GS1. O preenchimento do GTIN é obrigatório sempre que o produto possuir código cadastrado junto à GS1 e validado no Cadastro Centralizado de GTIN mantido pela Receita Federal, que cruza as informações do código com o fabricante, a descrição e o NCM do item. Quando o produto não possui GTIN, deve ser informado “SEM GTIN” nesses campos, mas essa opção está sendo cada vez mais restringida, já que o governo utiliza esses dados para validar a coerência entre o código do produto, a classificação fiscal e as regras tributárias aplicadas.
Essa informação individualizada é essencial para que o sistema consiga preencher corretamente os novos campos de classificação tributária do IBS e da CBS, como o cClassTrib e o CST-IBS/CBS. Esses campos são os que definem se um produto segue a tributação normal, se está em regime de redução, se possui tratamento diferenciado ou se é alcançado pelo Imposto Seletivo (IS) — o tributo que incidirá sobre produtos considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente, os chamados “produtos do pecado”.
Os nove campos que determinam a validade da nota fiscal
A partir de 2026, os documentos fiscais passarão a conter nove campos essenciais para a validação das informações do IBS e da CBS. Sete desses campos são fixos, presentes em todas as operações, e dois são variáveis, dependentes das características de cada produto.
Entre os campos fixos, estão o NCM ou NBS, o CFOP, a origem e destino da operação, o indicador de tipo de operação (mercadoria ou serviço), a base de cálculo, a alíquota nominal e o valor total do imposto destacado. Esses dados estruturam o cálculo básico da nota fiscal.
Já os dois campos variáveis — cClassTrib e CST-IBS/CBS — são o verdadeiro cérebro da apuração tributária. É neles que o ERP vai registrar o enquadramento exato do item, indicando se ele é um produto de tributação normal, se está sujeito a um regime específico com redução, se possui tratamento diferenciado ou se será atingido pelo Imposto Seletivo.
O ponto de atenção é que esses campos definem o enquadramento tributário do item dentro do novo sistema. Qualquer erro ou generalização aqui fará o documento fiscal nascer errado — e com ele, o crédito ou débito da operação.
O risco de tratar como “fixo” o que é variável
Durante o ano de 2026, o IBS e a CBS terão alíquotas simbólicas e fixas, aplicadas apenas para testes do sistema. É provável que muitas empresas, diante disso, tratem os campos variáveis de classificação como se fossem fixos, preocupando-se apenas com a validação técnica da nota fiscal, e não com a correção das informações.
Esse é um erro que pode custar caro. Mesmo que os valores de imposto ainda sejam pequenos, o Fisco estará formando a base de dados que servirá para o sistema definitivo a partir de 2027. Nessa nova base fiscal, não se olhará apenas para o tributo em reais, mas também para a qualidade e a consistência da informação prestada.
Ou seja, quem alimentar o sistema com dados genéricos ou imprecisos agora estará transferindo inconsistências para um ambiente fiscal automatizado e analítico, no qual corrigir depois será quase impossível.
A mensagem é simples e direta: não deixe para amanhã o que você já pode fazer hoje. O momento de estruturar corretamente o cadastro e revisar as classificações tributárias é agora.
O ERP como auditor fiscal
O papel dos sistemas de gestão empresarial também muda completamente. O ERP, que antes era apenas um registrador de informações, precisará assumir uma função ativa de auditor tributário.
Na emissão de notas fiscais, ele deve validar se o produto está corretamente cadastrado com GTIN, NCM/NBS e classificações de IBS e CBS compatíveis. Já na entrada de notas de fornecedores, o sistema deverá ser capaz de ler o XML, identificar o IBS e a CBS destacados, recalcular o valor esperado e comparar automaticamente com o que foi recebido.
Essa auditoria automatizada permitirá identificar divergências de classificação e de cálculo antes que elas afetem a apuração dos créditos. Mais do que conformidade, isso representa controle sobre o fluxo de caixa.
Conclusão
Não há novidade no fato de que o GTIN sempre foi mais detalhado e preciso que o NCM.
O uso do GTIN como principal fator de pesquisa tributária será fundamental especialmente para empresas com grande mix de produtos, ou mesmo para aquelas com portfólios menores, mas que possuam itens com variabilidade de características — como sabor, volume, composição ou finalidade. É impossível garantir consistência tributária confiando apenas na memória humana ou em planilhas manuais; é preciso deixar que a tecnologia rastreie, identifique e valide automaticamente o que cada produto realmente representa. É melhor confiar em um sistema que reconhece, por GTIN, se o item é cesta básica ou bebida alcoólica, do que depender de julgamentos individuais sob pressão.
A era do IBS e da CBS exigirá dados certos na origem, cadastros limpos e processos automatizados. A empresa que dominar essas informações não apenas evitará erros fiscais, mas também garantirá uma melhor gestão do fluxo de caixa. O futuro da contabilidade e da gestão tributária será cada vez mais analítico, integrado e baseado em dados, e tudo começa pelo ponto mais simples e, ao mesmo tempo, mais estratégico do ERP: o cadastro de produtos.

Comentários